segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Historia do Campo de Marte

Ironias do Destino
Olavo F Vieira

Autoridades pretendem MATAR um aeroporto no país do "pai da aviação", SANTOS DUMONT. O Aeroporto Campo de Marte em São Paulo, situado numa das avenidas que carrega seu nome e nasce na Pça de Bagatelle, local na França onde foi realizado o primeiro vôo do 14 bis, corre risco de ser desativado para dar lugar a uma estação de trem. Loucura, não???

O CAMPO DE MARTE
MONUMENTO HISTÓRICO DA CIDADE DE SÃO PAULO


Resumo de notas extraídas do livro (a ser editado): “O CAMPO DE MARTE – SUAS RAIZES E PIONEIROS – O AEROCLUBE DE SÃO PAULO – CRONOLOGIA HISTÓRICA” de Edgard O.C. Prochaska


A várzea alagadiça da região norte que seria, posteriormente, cercada pelos bairros de Santana e Casa Verde, começou a ser usada em 1906 para exercícios militares de infantaria e cavalaria da Força Pública do Estado de São Paulo (atual Polícia Militar). Para treinar os cavalarianos foram contratados instrutores do exército francês que, aqui chegando, apelidaram o descampado onde se instalava o picadeiro semelhante ao deles em Paris, como “Champs de Mars”. Esta expressão passou aos militares paulistas que logo a traduziram para “Campo de Marte”, denominação que se oficializou até o presente.

Em 1920, o governo do Estado e o comando da Força Pública decidiram criar uma escola de aviação militar para formar aviadores dentro da milícia, pressentindo a importância estratégica da nova arma. O local escolhido para pista de operações das aeronaves foi o próprio Campo de Marte, pois estava à disposição da corporação e próximo ao quartel da Luz.

Os primeiros alunos do curso de piloto aéreo eram oriundos da arma de cavalaria e receberam as instruções de um piloto americano para tal fim contratado. Após um ano de funcionamento a escola de aviação foi fechada por falta de verba. No entanto, formou um pequeno grupo de aviadores que tornar-se-iam instrutores de pilotagem na reabertura da escola em 1925, agora com bastante suporte econômico e político, com a finalidade de criar uma esquadrilha de potencial combativo para a Força Pública.

Nos cinco anos que se seguiram, foi constituída a esquadrilha da aviação da Força Pública do Estado que formou seus próprios pilotos, entre eles alguns que se tornaram famosos, como o então Tenente João Negrão. Este militar participou como co-piloto de João Ribeiro de Barros na famosa travessia do Atlântico com o avião JAHU. Na ocasião, também já andavam por Marte o capitão do exército e observador aéreo Newton Braga e Vasco Cinquini, respectivamente navegador e mecânico a bordo desse voo pioneiro.

Em 1926, a esquadrilha da Força Pública participou de uma grande operação militar, dando apoio aéreo ao exército que tentava localizar e perseguir os rebeldes integrantes da Coluna Prestes. Um dos oficiais aviadores perdeu a vida nessa missão. No entanto, o impacto social e estratégico da nascente aviação militar derivada de Marte foi causado pelas missões exploratórias aeronáuticas dos bravos aviadores da Força Pública. Foram inaugurando caminhos aéreos (rotas definidas), difundindo a aviação e condicionando a abertura de dezenas de aeródromos pelo interior do estado, estendendo-se ao litoral e mesmo a estados vizinhos, como Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás.

Podemos deduzir que estes homens do ar que, com justo merecimento, se autodenominavam - os Bandeirantes do Ar – ajudaram a lançar as sementes do heroico Correio Aéreo Nacional, juntando-se aos corajosos desbravadores aéreos do imenso território nacional. Aviões e vidas perderam-se por este ideal, enquanto o Campo de Marte firmava-se como o único aeródromo oficial da cidade de São Paulo.

Apoiada irrestritamente pelos militares da Força Pública, crescia concomitantemente a aviação civil. Formavam-se grupos em torno dos primitivos aviões, já antevendo a criação de escolas de pilotagem civil. Ainda na década de vinte, instalou-se no Campo de Marte a Escola de Aviação Ypiranga, pertencente a Fritz Roesler e Thereza Di Marzo, a primeira aviadora brasileira a ser brevetada. Ainda nos hangares da Força Pública, foi construído o primeiro avião fabricado na cidade pelo mecânico e aviador americano Orthon W. Hoover. Este biplano de treinamento recebeu o nome de “São Paulo” e tornou-se o mascote da esquadrilha.

A primeira companhia de transporte postal aéreo constituída exclusivamente por capital brasileiro e dirigida por brasileiros, teve sua linha inaugural ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, tendo como base de operações o Campo de Marte. A Empresa de Transportes Aéreos conhecida pela sigla E.T.A. definiu assim, em 1929, o aeródromo de Marte como aeroporto de linha comercial. Isto confirmou-se em 1933, quando foi fundada a VASP, seus aviões partindo de São Paulo (Marte), estabelecendo linhas regulares a Uberaba, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto.

Durante a Revolução de 1930, quando instalado o Governo Provisório do presidente ditador Getúlio Vargas, a esquadrilha da Força Pública foi extinta. Os hangares, aviões e pertences passaram a ser propriedade do exército brasileiro. Desta forma criando-se no Campo de Marte o Destacamento do 2° Regimento de Aviação do Exército. No entanto, o relacionamento dos militares com os aviadores civis mostrou-se de ampla cordialidade e colaboração mútua, que definiu essa coabitação pacífica e interação construtiva entre pilotos fardados e paisanos até a atualidade. Este clima de camaradagem e reconhecimento mútuo entre aeronautas, condicionou a que a aviação civil em São Paulo fosse sendo desenvolvida em ritmo acelerado.

Em 1931, fundou-se oficialmente o Aeroclub de São Paulo com sua escola de aviação civil. Os primeiros instrutores de pilotagem desta entidade de ensino aeronáutico foram oficiais e sargentos aviadores do exército, que o fizeram por puro idealismo e apoio à aviação civil. Criava-se então a primeira escola oficial de aviação civil em São Paulo e segunda após a escola do Aeroclub Brasileiro, no Rio de Janeiro, como órgão de utilidade pública, cujos diretores atuavam por idealismo, sem qualquer benefício material.

A partir da qualidade de ensino e incentivo ao profissionalismo aeronáutico civil, o Aeroclub de São Paulo transformou-se com o passar do tempo em exemplo e fonte para a criação de uma centena de organizações similares nas cidades do estado e em outros estados brasileiros, formando durante sua existência milhares de aviadores. Pode-se concluir que aproximadamente um terço dos pilotos comerciais brasileiros brevetaram-se sob os hangares e com as asas do Aeroclub de São Paulo, e não será exagero concluir que esta casa de ensino aeronáutico tornou-se a mais importante e tradicional escola de aviação civil do país, provavelmente a maior da América Latina, durante seus já quase 80 anos de existência no Campo de Marte.

Em 9 de Julho de 1932 eclodiu a Revolução Constitucionalista, quando o indômito espírito bandeirante desafiou praticamente o restante do poder armado do país, na tentativa de reinstalar um governo democrático, tentando afastar o presidente ditador Getúlio Vargas. No confronto armado fratricida que se seguiu durante cerca de um trimestre, a aviação despontou no Brasil como poderosa arma de guerra. Do lado ditatorial formaram-se as esquadrilhas ditas legalistas e do lado paulista reuniram-se alguns poucos e heroicos aviadores para formar o Grupo Misto de Aviação Bandeirante, incluindo a esquadrilha dos “Gaviões de Penacho”, aguerridos pilotos de combate constitucionalistas. Formou-se um conjunto híbrido de homens do ar, constituído por aviadores do exército aderidos à causa paulista com ex-integrantes da extinta esquadrilha da Força Pública, reforçada por alguns pilotos civis voluntários. O Campo de Marte agora entrava para a história também como campo de aviação de guerra e quartel general dos aviadores constitucionalistas. As duas forças aéreas criadas nessa guerra civil mostraram o poder do avião como arma em inúmeras missões de reconhecimento, bombardeio e combate aéreo de caça.
Marte apresentava então seu grande potencial estratégico. No entanto, passada a guerra civil com a capitulação dos paulistas esmagados pelo poderio federal, a aviação civil em Marte entrou em ritmo de crescimento geométrico nas décadas seguintes. Foram surgindo as pequenas empresas ligadas ao setor aeronáutico com seus hangares de guarda e oficinas de manutenção, gerando centenas de empregos. Surgiram escolas particulares de aviação, inclusive nascendo em Marte o voo de planador e a primeira escola de paraquedismo do país.

Os espetáculos de apresentações aéreas, circos voadores, também denominados meetings aeronáuticos, aviação de fantasia e mais atualmente, shows aéreos, atraiam multidões ao Campo de Marte. Pessoas do povo que só tinham ocasião de interagir com aviões nestas festas aéreas abertas ao público, acorriam para admirar as evoluções acrobáticas, os voos a baixa altura e, posteriormente, as esquadrilhas de demonstração, notadamente a Esquadrilha da Fumaça. Marte passou também a pertencer ao povo paulista com grande efeito psico-social, pois era o real aeroporto da cidade, enquanto Congonhas apenas engatinhava. A população paulista passou a orgulhar-se de seu campo de aviação. Com a criação do Ministério da Aeronáutica em 1941, as instalações militares que também se desdobravam em setores, incluindo o Parque de Material da Aeronáutica, passaram a constituir parte da Força Aérea Brasileira.

Vários eventos ainda contribuíram para reforçar a tradição aeronáutica de Marte, como a fabricação do avião EAY-201, que acabou por dar origem ao legendário avião de treinamento CAP-4 (Paulistinha).

Marte serviu de ponto de partida para diversos voos heroicos conduzidos por aviadores imortalizados pelos seus feitos, como a aviadora paulista Ada Rogato, internacionalmente famosa. O aeródromo envolto já por um carisma de tradição, ainda foi palco de partida e chegada de dezenas de raides pioneiros e revoadas fantásticas, como a revoada internacional do IV Centenário de São Paulo, quando aqui se reuniram aviões de vários países sul-americanos. A maior revoada de aviões esportivos realizada até hoje na América Latina originou-se em Marte, organizada pelo Aeroclube de São Paulo. Cerca de 270 aeronaves de pequeno porte da Aviação Geral reuniram-se para uma organizada travessia aérea de São Paulo (Marte) a Buenos Aires. Isto em 1952, quando o próprio presidente da Argentina recepcionou os aviadores nessa revoada de confraternização com o país irmão.

A cidade de São Paulo tanto é carente em campos de aviação como em monumentos históricos que simbolizem e lembrem nossa história. O Campo de Marte reúne estes dois aspectos, sendo que – como aeródromo – representa um passado, um presente e, também, o futuro da aeronáutica paulista e brasileira.

Com o passar dos anos a aviação comercial desenvolvia-se e crescia uma divisão da aeronáutica pouco destacada, difícil até de definir mas que acabou por constituir-se no segmento aéreo mais atuante de integração do imenso território nacional. Reunindo em sua imensa frota, desde os pequenos monomotores básicos das escolas de aviação, aviões de aluguel, aviões ambulância, bimotores e jatos leves executivos, aviões esportivos, aviões particulares de transporte de fazendeiros e helicópteros, aparelhos de emprego agrícola, aviões de táxi aéreo e aviões de treinamento e demonstração acrobática, recebeu em seu conjunto a definição de A.G. – Aviação Geral.

E o Campo de Marte acabou por transformar-se no aeroporto de maior movimento e concentração da Aviação Geral do Brasil e, muito provavelmente, da América Latina. Além disso passou a abrigar o imprescindível apoio da polícia civil e militar da cidade. Com o crescimento da aviação comercial e geral do país, há que se pensar em termos futuros. O Campo de Marte poderá ser ampliado e adaptado como aeroporto de apoio a linhas aéreas regionais, desafogando Congonhas e mesmo Guarulhos. Isto demonstra, além de seu valor estratégico, também seu valor logístico como aeroporto, mesmo porque não existe outro espaço disponível na periferia da cidade que sirva de abrigo à enorme frota de nossa aviação geral e toda sua infraestrutura operacional, que vem sendo edificada desde 1920 com a inauguração da escola de pilotagem da Força Pública do Estado de São Paulo.

Fechar o Campo de Marte seria destruir parte da memória histórica da cidade de São Paulo. Acabar com a aviação baseada em Marte será retroceder no progresso da aviação brasileira. Mesmo que, supostamente, todas as instalações militares sejam retiradas de Marte, o aeroporto deve continuar servindo à aviação civil por simples lógica estratégica e logística. Tirar o aeroporto Campo de Marte da aviação brasileira, será uma atitude lesa pátria, pois não há como substituí-lo enquanto existem, sim, outros lugares para instalar estações ferroviárias ou outras obras que o valham.

Em termos puramente históricos, destruir o aeroporto será comparável a demolir o Museu do Ipiranga para instalar um terminal rodoviário ou transformar a Catedral da Sé em Shopping Center. O Campo de Marte pertence à aviação paulista e brasileira, constituindo um monumento histórico da cidade e da aeronáutica nacional.

Em termos sociológicos e culturais podem, sim, ser aproveitadas as áreas do Campo de Marte para erguer-se o Museu Aero Espacial Brasileiro e/ou, eventualmente, uma entidade de ensino estatal voltada aos diversos setores profissionais da aeronáutica civil.

Campo de Marte 1966







Foto: Acecam 1966


Campo de Marte 1995









Foto: Acecam 1995

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